segunda-feira, 29 de julho de 2013

Beileira


Era uma vez um gigante muito grande, chamado Beileira. Um dia, ao passar por um campo, viu uma linda rapariga e logo se apaixonou por ela. Pediu-a em casamento e, como ele tinha bom coração, a rapariga aceitou.
Começaram a procurar casa para morar, mas não encontraram uma casa onde coubesse a cama do gigante Beileira.
- Não faz mal – disse a rapariga. – Podemos viver na floresta e dormir no chão. Juntamos umas folhas secas e fazemos aí a nossa cama.
Beileira estava de acordo. Ele preferia mil vezes dormir ao ar livre a ficar enfiado entre quatro paredes. Podia ouvir os animais quando eles iam para as tocas ou para a caça, o Sol acordá-lo-ia com suaves festas no rosto e os passarinhos cantar-lhes-iam lindas canções para que começassem o dia bem dispostos.

domingo, 28 de julho de 2013

A Cobra de Oiro do Rei de Lequeçan



Debaixo de cada pedra há um mistério; à sombra de cada árvore esfuma-se uma lenda. Mas nada é morto, pois tudo isso é alma, é vida, é segredo. Todo o timorense é espiritualista. E essa espiritualidade exprime-se principalmente pela maneira forte e amável como cada um cultua sua mãe. E ninguém será capaz de duvidar da palavra dela.
É que não está esquecido o que aconteceu aos dois irmãos do rei de Vèmassim e aos descendentes deles, condenados a tornarem-se na plebe mais plebe dos povos de Timor. Eles tinham-se esquecido de que só a mãe garante aos filhos o nome do pai. E o nome que ela disser é lei.
Pois os dois irmãos do rei de Vèmassim duvidaram da palavra da mãe quando ela lhes disse que o pai deles era a cobra de oiro do rei de Lequeçan. E como a palavra da mãe é lei, foram amaldiçoados até ao fim de todas as gerações. Mas o outro, o que acreditou na palavra e na honra da mãe, esse, foi abençoado e feito rei.

A princesa das flores e lágrimas



Soubera um príncipe que num reino vizinho vivia uma princesa de tão surpreendente beleza que, ao falar, deitava flores pela boca e, ao chorar, lágrimas de ouro.
Desejando-a em casamento, foi o príncipe procurar o irmão da princesa e propôs a este, como em desafio, promovessem, segundo o uso tradicional, um combate entre dois galos, um do príncipe e o outro do irmão da princesa. Se o galo deste último vencesse o do primeiro, este perderia o reino; na hipótese contrária, o adversário dar-lhe-ia a irmã.
Quis a sorte que saísse vencedor o galo do apaixonado príncipe, que assim impôs a sua vontade. Marcado o encontro com a noiva na fronteira dos dois reinos, o príncipe logo partiu para arranjar luzidio cortejo.

A nascente sagrada Uai-Dada, em Bercoli


Há milhares de anos, os nossos avós contaram que, de dentro dessa nascente, saíram muitos búfalos.
Perto dessa nascente, também havia uma várzea, que tinha o mesmo nome de Uai-Dada.
Nesta várzea, quando estava para chegar o neli, os búfalos sempre o estragavam, então, o dono da várzea, que era o Liurai de Uai Tu Nau, mandou o seu povo fazer vigilância, para apanhar os búfalos que vinham de noite, estragar o neli.
Numa certa noite, os vigilantes logo apanharam os búfalos que vinham de dentro da nascente. Os vigilantes estavam preparados e deixaram os búfalos entrar dentro da várzea, e daí os vigilantes foram atrás deles, com azagaias, os búfalos voltaram a entrar dentro da nascente, mas dois foram apanhados pelas azagaias e correram para fora. Daí, esses búfalos foram mortos, os vigilantes, em vez de os cortarem, deixaram para o dia seguinte.

Conto do João Jogador


Uma mulher e um homem tiveram um filho. Quando ele nasceu puseram-lhe o nome de João. Desde o tempo em que era pequeno até crescer, só queria jogar cartas.
Deixou então a casa dos pais para viajar, procurando quem quisesse jogar cartas com ele. Todos lhe chamavam João Jogador. Depois de ter ganho a todos dentro do seu reino, foi de reino em reino, sempre a jogar cartas. No jogo de cartas, ninguém lhe ganhava. Vivia como um rei.
Era muito vaidoso por causa disto. Um dia foi para terra estrangeira. Lá falou pomposamente de si mesmo, “Deixem saber que se um homem aparecer aqui para jogar eu não lhe viro as costas, deixem saber!” Assim que ele acabou de dizer estas palavras, apareceu à sua frente um gigante. O gigante disse-lhe “Amigo! Estás a desafiar-me? Eu aceito.”João disse-lhe “É o que desejo realmente.”

Os «vampiros» de Ataúro

Na pequena ilha de Ataúro, a 17 kms da costa, em frente a Dili (capital da ilha), existe a crença popular nos irmãos Lé-Káli e Mimítu, criaturas com cabeça de serpente suportada por um esquálido corpo humano.
Os seus dentes compridos, garras e mãos enormes assustavam adultos e crianças, conforme nos conta o antropólogo português Jorge Barros Duarte no seu livro "Ritos e mitos Ataúros" (Lisboa, 1984). Os habitantes da montanhosa ilhota acreditam que Lé-Káli e Mimítu podem aparecer sob a forma de um morcego para roubar-lhes a alma...

in Timor: mitos e lendas de um povo livre

O gigante e a lua


Noutros tempos habitava em Timor um gigante chamado Beileira, duma estatura tão desmedida, que, pondo-se de pé, facilmente com a mão chegava às estrelas.
Uma vez, um filho do gigante, estando ao colo do pai, estendeu o braço e com a mão sujou a lua com banana assada e cinza.
Este gigante teve um fim horrivelmente trágico. Casara. Ainda a noite não tinha envolvido inteiramente a Terra no seu negro manto, já o gigante, cansado, recolhera ao tálamo nupcial, não tardando a adormecer profundamente. A noiva recolhera mais tarde. Já no leito, reparara esta que entre os dois se interpusera uma jibóia gigante, de grossura e comprimento assombrosos.
Rapidamente agarra na catana de guerra do gigante e a golpes repetidos a ataca. Só depois e já sem remédio, veio a reconhecer que o gigante se esvaía em sangue, morrendo juntamente com a jibóia.
Na planície de Quirás, no posto de Fatu-Berlio, região de Manufai, foi enterrado o gigante Beileira, mas para caber nas covas que lhe abriram, tiveram de o dividir em sete partes.
in «Mitos e Contos do Timor Português», de Correia de Campos. Agência-Geral do Ultramar

O crocodilo que se fez Timor



Disseram, e eu ouvi, que desde há muito séculos um crocodilo vivia num pântano. Este crocodilo sonhava crescer, ter mesmo um tamanho descomunal. Mas a verdade é que ele não era só pequeno, como vivia num espaço apertado. Tudo era estreito à sua volta, somente o sonho dele era grande.
O pântano é de ver, é o pior lugar para morar. Água parada, pouco funda, suja, abafada por margens esquisitas e indefinidas. Ainda por cima, sem abundância de alimentos ao gosto de um crocodilo.
Por tudo isto, o crocodilo estava farto de viver naquele pântano, mas não tinha outra morada.
Ao longo do tempo, milhares de anos, parece, o que ia valendo ao crocodilo era o ele ser grande conversador. Enquanto estava acordado, conversava, conversava... É que este crocodilo fazia perguntas a si mesmo e, depois, como se ele próprio fosse outro, respondia-se-lhe.