É que não está esquecido o que aconteceu aos dois irmãos do
rei de Vèmassim e aos descendentes deles, condenados a tornarem-se na plebe
mais plebe dos povos de Timor. Eles tinham-se esquecido de que só a mãe garante
aos filhos o nome do pai. E o nome que ela disser é lei.
Pois os dois irmãos do rei de Vèmassim duvidaram da palavra
da mãe quando ela lhes disse que o pai deles era a cobra de oiro do rei de
Lequeçan. E como a palavra da mãe é lei, foram amaldiçoados até ao fim de todas
as gerações. Mas o outro, o que acreditou na palavra e na honra da mãe, esse,
foi abençoado e feito rei.
Numa noite em que o luar era tão claro, tão claro que o
verde das florestas convidava os cavalos e os búfalos a não adormecerem, a
cobra de oiro, libertando-se do seu refúgio de sono, transformou-se em homem. E
que homem! Um homem todo de pele de café, com o mar cavado nos olhos e o vento
a bailar-lhe nos cabelos!
E havia a jovem irmã
do rei de Ué Massim, cansada de ser viúva do rei de Behali. E a cobra de oiro
feita homem de pele de café, com o mar cavado nos olhos e o vento a bailar-lhe
nos cabelos fez reviver a carne da irmã do rei de Ué Massim, cansada de ser
viúva do rei de Behali.
Nasceram três gémeos. E em todo o reino se perguntava pelo
nome do pai deles. E as crianças, à medida que cresciam, ouvindo no ar o coro
de tantas interrogações, perguntavam também pelo nome do pai.
Passara-se os anos. Os filhos da irmã do rei de Ué Massim,
viúva do rei de Behali, fizeram-se homens. E, então, a mãe deles, que em jovem
se cansara de ser viúva e que depois se cansava do silêncio que a desonrava,
levou os filhos diante da caixa preciosa que encerrava a cobra de oiro do rei
de Lequeçan e de Ué Massim e
revelou-lhes o mistério: a cobra de oiro era o pai deles!
Dois dos filhos vaiaram a mãe e apedrejaram o cofre da cobra
de oiro. O outro acreditou no mistério do seu nascimento, porque só a mãe
garante aos filhos o nome do pai. E o que ela diz é lei.
Então a cobra de oiro do rei de Lequeçan transformou-se de
novo em homem de pele de café, ainda com o mar cavado nos olhos e o vento a
bailar-lhe nos cabelos, como naquela noite em que o luar era tão claro, tão
claro que o verde das florestas convidava os cavalos e os búfalos a não
adormecerem. E a divindade humanizada ditou, bela e tragicamente, o destino dos
filhos: o filho que não duvidara da palavra da mãe, e que era verdadeiro
timorense, fundaria um reino, o reino de Vèmassim, e viveria enaltecido pelos
seus súbditos. Mas os outros filhos seriam escorraçados e fariam parte da plebe
mais plebe de Timor.
Esta lenda renasce de cada vez que nasce uma criança
timorense. E cresce com ela. E por isso ninguém duvida da palavra de sua mãe.
Porque, se duvidar, a cobra de oiro do rei de Lequeçan, ou outra cobra
qualquer, ou a consciência, surgirá humanizada a castigá-lo.
Fernando Sylvan
Sem comentários:
Enviar um comentário