Soubera um príncipe que num reino vizinho vivia uma princesa
de tão surpreendente beleza que, ao falar, deitava flores pela boca e, ao
chorar, lágrimas de ouro.
Desejando-a em casamento, foi o príncipe procurar o irmão da
princesa e propôs a este, como em desafio, promovessem, segundo o uso
tradicional, um combate entre dois galos, um do príncipe e o outro do irmão da
princesa. Se o galo deste último vencesse o do primeiro, este perderia o reino;
na hipótese contrária, o adversário dar-lhe-ia a irmã.
Quis a sorte que saísse vencedor o galo do apaixonado
príncipe, que assim impôs a sua vontade. Marcado o encontro com a noiva na
fronteira dos dois reinos, o príncipe logo partiu para arranjar luzidio
cortejo.
Realizado com toda a pompa o casamento, a falsa princesa nem
por uma vez pronunciara qualquer palavra. Mas o príncipe, já desconfiado,
perante o mutismo da consorte que durava três dias, viu-se forçado a bater-lhe
para a faz gritar e chorar, reconhecendo assim que a noiva não era a sua
escolhida, porque não via as flores derramadas da boca de sua amada, nem as
pepitas de ouro, em que se transformavam as suas lágrimas.
Julgando que fora propositadamente ludibriado pelo cunhado,
dando-lhe outra mulher, pensou apoderar-se do pretenso culpado pela astúcia,
para o que, aparentando muita amizade o convidou a visitar o seu reino.
A princesa, porém, ao ser deitada ao mar, tinha sido salva
por um crocodilo, dizendo-lhe este que ali estava para proteger, por ser seu
avô.
O crocodilo todos os dias punha a princesa ao corrente do
que se ia passando.
Logo que soube da traição feita ao irmão, a princesa pediu
ao crocodilo que a levasse a vê-lo. Irradiando de si uma suave claridade, o
jacaré transportou-a docemente até à praia.
A princesa dirigiu-se aos guardas da prisão, aos quais pediu
que a deixassem ver o irmão. Ao falar caíram-lhe flores pela boca, como de
costume, o que convenceu logo os guardas.
Entretanto na prisão, ao ver o príncipe, seu irmão, de
gonilha (instrumento de madeira, usado pelos nativos, para os presos não
poderem fugir) aos pés e com os braços fortemente ligados, chorou
aflitivamente, caindo-lhe dos olhos belas pepitas de ouro.
Acabada a visita, o irmão pediu-lhe que escondesse as flores
e a pepita de ouro, porque se a falsa princesa soubesse que ainda era viva,
certamente os mandaria matar. A princesa retirou-se, e ao outro dia apareceu
novamente aos guardas para ir ver o preso, e caindo-lhe, como na véspera, ao
falar, flores pela boca.
Os guardas da prisão foram contar ao príncipe tudo quanto
tinham presenciado naqueles dois dias. O príncipe resolveu então vestir-se como
um nativo para, ao outro dia, se certificar das afirmações que lhe eram feitas.
Entrando abruptamente na prisão, e ao ver as lindas pepitas
de ouro, que corriam do meigo rosto da princesa e as braçadas das belas e
aromáticas flores, que suplicava, bem como ao irmão, mil perdões e dizia que só
com a princesa desejava casar. Mas esta respondeu ser impossível poder algum
dia casar com ele, por ter ficado conspurcado pela sua união com a escrava.
Todavia, o príncipe tanto implorou, que ela por fim condescendeu em casar com
ele, mas com a condição de mandar queimar num forno a escrava, e de dar metade
do seu reino ao cunhado como indemnização. É claro que o príncipe aceitou e
executou estas duas condições.
De Mitos e Contos do Timor Português, de Correia de Campos
foibom
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